5.11.08

Uma idéia



- Eu tenho uma idéia. Vamos fazer um país, mas um país novo, partindo do zero. Bota aí uns duzentos milhões de pessoas.

– Tá doido, é muita gente!

– Mas é pra ser muita gente mesmo.

– Mas é gente demais, não é não?

– Tá bom, cento e oitenta milhões e não se fala mais nisso.

– Sei não. Vem cá, pra começar, como é que você vai arranjar trabalho pra essa gente toda?

– Não vai ter.

– Ué, não?

– Não. E é bom que não tenha. Tendo mais gente que trabalho você paga pouco a quem trabalha.

– Visto por esse ângulo... Mas eles vão trabalhar em quê?

– Nas empresas, é claro.

– Claro? Pra mim ta é escuro. Bota aí metade deles trabalhando, já são 90 milhões. Como que você vai fazer empresa pra essa gente toda?

– Nós não vamos fazer empresa nenhuma.

– Ué, não?

– Não. Vamos trazer as empresas de fora, que já estão prontas.

– E a troco do que elas vão topar vir pra cá?

– A troco não, a dinheiro graúdo, o dinheiro que eles vão economizar pagando muito pouquinho aos 90 milhões.

– Bom, visto por esse ângulo...

– Além do monte de matéria-prima novinha em folha que a gente vai dar pra eles.

– A gente vai dar?

– Dar é modo de dizer. Mas vai.

– Vem cá, você não acha que os 90 milhões que trabalham e ganham miséria vão acabar chiando?

– Acho.

– E fica por isso mesmo?

– Claro que não. A gente pega dois milhões deles e faz eles ficarem milionários, com um vidão de primeiro mundo nenhum botar defeito.

– Você é doido! Os outros vão morrer de inveja!

– A idéia é essa.

– Ué, não entendi.

– A inveja é a filha mais nova e mais gostosa do desejo.

– E daí?

– Daí a gente bola uns anúncios dizendo, melhor, prometendo que esse desejo está ao alcance de qualquer um.

– E eles vão acreditar?

– E quem é que não acredita num anúncio bem feito, com calda escorrendo e a mulher mais linda dizendo que você é o tal? Hein? Hein?

– Bom, visto por esse ângulo... Mas e os outros 90 milhões que nem ganhar pouco ganham?

– O que que tem esses 90 milhões?

– Ah, esses não vão acreditar nem em anúncio bem feito.

– Claro que acreditam, esses aí são muito mais fáceis de enganar. Eles nem foram à escola!

– Não?

- Claro que não. Se não tem emprego pra eles, pra que que vai ter escola? – Mas é tão bacana ir à escola!

– E você acha bacana ter 90 milhões de pessoas espertas, esclarecidas e sem nada pra fazer?

– É, não é uma boa idéia não. Mas eu acho que mesmo assim eles vão aprontar.

– Vão, com certeza vão. Tem gente que vai roubar, tem gente que vai matar.

– E aí?

– Aí a gente diz que a culpa é deles. Se tem 90 milhões que estudam e se matam pra ter um pouquinhozinho de dignidade por que que os outros 90 milhões são desempregados? Porque não querem nada com o batente.

– Mas eles não têm emprego nem que queiram.

– Mas se você contar isso pra eles, meu amigo, eu sinto muito mas vou te prender e te chamar de terrorista.

– Aí já sei, mesmo eu sendo teu melhor amigo, você acaba com a minha raça.

– Eu? Não toco em um fio de cabelo seu. Deixo você fugir e anuncio que o terrorista perigoso, uma ameaça às famílias, está solto!

– Pô, eles vão querer me matar!

– Mas eu sou teu amigo, eu não deixo eles te matarem. Assim esse joguinho não termina nunca.

– Mas a gente estava falando dos 90 milhões de desempregados.

– Que desempregado?! Não vai ter desemprego no nosso país.

– Como não?

– Tá na cara, eles só são desempregados porque não querem trabalhar, o que faz com que eles deixem imediatamente de ser desempregados e passem a ser vagabundos. E não vão ser todos.

– Como é que você sabe que não vão?

– Essa é fácil. Religião.

– O que que a religião tem a ver com isso?

– É uma receita. Pegue um desocupado e encha a cabeça dele de religião, exponha logo umas três ou quatro pra eles disputarem qual é a melhor. Além de obedientes, eles não vão pensar em fazer besteira.

– Será que não?

– Vai por mim, pra criar obedientes, a religião é melhor que o quartel. E quem não seguir uma religião qualquer nem for empregado só pode ser um marginal. E marginal, a ciência já provou que é um problema de nascença ou de código genético, área do cérebro, algo assim.

– Eu não sabia. Que ciência provou isso?

– A que a gente quiser. Afinal, quem é que vai pagar os cientistas?

– Bom, visto por esse ângulo...

– E aí, gostou da minha idéia?

– Sei não, você tem sempre umas idéias mirabolantes. Acho que esse troço não vai dar certo. Como é o nome dessa idéia?

– O nome? Eu pensei em Brasil.

– Brasil? Daonde você tirou isso?

– Sei lá. Acho que li em algum lugar e ficou na minha cabeça. Brasil.

– Bra-sil, não sei. Eu prefiro Zimbabwe. É mais sonoro, tem mais ritmo, Zim...bá...bwe!

– E por que não Nepal?

– Ih, mas você cismou com esses nomes curtinhos terminados em l...


•••

→ História fictícia, publicada há muuuuito tempo pelo Ignorancia Times. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.



3 comentários:

  1. Incrível como uma crônica fantástica como essa passa despercebida, sem nenhum comentário...

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  2. Lógico, cara.

    Já contou quantas linhas de texto tem essa crônica?

    É um absurdo.

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  3. Bom demais! O Lelo aí tem razão. Como tem blog bom na rede e eu não sabia... Os textos são ótimos. Salvei seu link. Volto depois pra ler mais.

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oi